[poema] tinta vermelha



Derramei a tinta e não consegui limpar 
Esfreguei, apertei, cutuquei
Mas era tarde 
Nem água quente adiantou, ou chá de camomila
Pior foram as noites em que eu nem dormia 
Tentando me limpar 
É uma tinta que gruda na pele, na alma, 
Nao sei o nome, ninguém me explicou 
Na embalagem diz pra tomar cuidado, e eu tomei
Juro
Mas só caiu, sabe
Foi sem querer
Até porque quem ia querer 
Mas achei que saia
Pior que eu achei 
Se a tinta azul não é permanente assim
Porque a vermelha seria?
E mais ainda
Como eu saberia se não derrubasse?
Nunca entendi qual é dessas tintas 
Porque elas vem para mim com tanta intensidade
Mas elas ardem tanto, que nossa
Nem sei como conseguem pintar quadros 
De noites estreladas e de sentimentos
De tudo que alguém tem por dentro
Seja dor, raiva ou felicidade
Seja sol seja mar seja vento
Seja um pincel numa tela em branco
Tentando usar as tintas 
Seja o tormento 
Só não seja assim
Com pele permanente
Que faz grudar só vermelho
E não o mundo de aquarela inteiro 
Porque eu sou a tela que absorve
E que compõe a arte
E eu sei que o azul é mais bonito
Mas não sei porque ele não gruda
Só sei que não gosto desse vermelho
Ele não é de um batom borrado na boca depois de um beijo 
Não é da maçã do amor ou do coração desenhado 
É vermelho de fazer sair dos olhos todo o meu estado
E eu só tenho estado tentando derramar tintas 
Para cobrir essa cor 
E quando acho que consegui elas escorrem
E percorrem o corpo deixando marcas 
Pra me lembrar que 
Não importa quanta tinta eu tenha
Nenhuma vai ser mais permanente que esse vermelho.

31 de maio de 2019
Carla Herculana